Já era tarde da noite quando ele acendeu a luz do quarto, pegou um dos livros da estante e se acomodou na poltrona ao lado do abajur.
Suas vistas cansadas confundiam as letras do capitulo que, ao que pareia, falava sobre amor. Quando já não entendia o sentido do que estava escrito foi atrás dos óculos. Ao colocá-lo leu pausadamente:
“Como se fosse possível
Não sentir um certo rancor assolando minhas entranhas.
Você tão decidida e eu distraído.
Como se fosse possível deglutir o ódio que seca a minha garganta.
Você tão dedicada e eu contido.
Você age como se fosse possível
Dissipar o sentimento cortante e estampar no rosto um sorriso oco.
Você tão interessante e eu comum.
Mas na verdade não é possível.
Você tão surpreendente e eu previsível.
Não é possível fechar os olhos e ao abri-los contemplar novamente o principio.
Você tão sonhadora e eu silêncio.
Não é possível ignorar
Com uma respiração profunda ultrapassar o limite do desequilíbrio óbvio
Desequilíbrio causado ao coração.
Você tão púrpura e eu cinza.
Você tão simples e eu geométrico.
Você tão sincera e eu ausente.
Não é possível abrir mão do evidente e forçar uma satisfação fria.
Você tão reluzente e eu sombra.”
Tentou virar a página, mas a folha soltou-se do livro, permanecendo entre seus dedos. Verificou seu verso. Reconheceu nos rascunhos manuscritos os traços inclinados de seu filho mais novo.
Aproximou a folha ao rosto e numa observação mais atenciosa percebeu que o que estava escrito não pertencia a livro algum. As iniciais T.S. no final da página confirmavam que fora seu filho quem digitara e imprimira aquelas palavras há pouco tempo, visto o bom estado e brancura do papel.
Colocou o papel novamente entre as páginas do livro, riu consigo mesmo. Seu filho, seu jovem filho, já estava confuso com as artimanhas do coração.
O livro voltou para a estante e a luz foi apagada.
Um comentário:
gostei do teu espaço.
e voltarei.
beijo.
Postar um comentário