28 novembro, 2008

Coração e Papel


Já era tarde da noite quando ele acendeu a luz do quarto, pegou um dos livros da estante e se acomodou na poltrona ao lado do abajur.

Suas vistas cansadas confundiam as letras do capitulo que, ao que pareia, falava sobre amor. Quando já não entendia o sentido do que estava escrito foi atrás dos óculos. Ao colocá-lo leu pausadamente:           

“Como se fosse possível

Não sentir um certo rancor assolando minhas entranhas.

Você tão decidida e eu distraído.

Como se fosse possível deglutir o ódio que seca a minha garganta.

Você tão dedicada e eu contido.

Você age como se fosse possível

Dissipar o sentimento cortante e estampar no rosto um sorriso oco.

Você tão interessante e eu comum.

Mas na verdade não é possível.

Você tão surpreendente e eu previsível.

Não é possível fechar os olhos e ao abri-los contemplar novamente o principio.

Você tão sonhadora e eu silêncio.

Não é possível ignorar

Com uma respiração profunda ultrapassar o limite do desequilíbrio óbvio

Desequilíbrio causado ao coração.

Você tão púrpura e eu cinza.

Você tão simples e eu geométrico.

Você tão sincera e eu ausente.

Não é possível abrir mão do evidente e forçar uma satisfação fria.

Você tão reluzente e eu sombra.”

Tentou virar a página, mas a folha soltou-se do livro, permanecendo entre seus dedos. Verificou seu verso. Reconheceu nos rascunhos manuscritos os traços inclinados de seu filho mais novo.

Aproximou a folha ao rosto e numa observação mais atenciosa percebeu que o que estava escrito não pertencia a livro algum. As iniciais T.S. no final da página confirmavam que fora seu filho quem digitara e imprimira aquelas palavras há pouco tempo, visto o bom estado e brancura do papel.

Colocou o papel novamente entre as páginas do livro, riu consigo mesmo. Seu filho, seu jovem filho, já estava confuso com as artimanhas do coração.

O livro voltou para a estante e a luz foi apagada.  

Um comentário:

Luisa disse...

gostei do teu espaço.

e voltarei.

beijo.