19 novembro, 2008

Novembro e o Circo

Sempre aguardei o final do mês de novembro com maior ansiedade do que qualquer outro período do ano. É a data em que o circo passa aqui pela cidade. Antes da partida dos meus pais, sempre ouvi histórias sobre os personagens que dão vida ao circo. Já faz alguns anos que pego minhas economias no fundo da gaveta e vou à bilheteria do picadeiro assim que eles iniciam a montagem da lona colorida.

Meu entusiasmo começa ali, abaixo da placa metálica, em frente ao orifício retangular de onde surge a voz informando o valor do bilhete. Essa fala já me é conhecida, sei que o valor informado será o de sete e cinqüenta, nunca alteraram, desde a primeira vez que o circo veio para estas bandas, e isso me deixa satisfeito. 

Lembro como se fosse hoje, quando comprei o bilhete pela primeira vez, estava na companhia do meu primo mais velho que me levou na garupa da bicicleta e me esperou do outro lado da rua. Entreguei a nota de dez, e recebi o troco por cima do bilhete. Guardei as moedas no bolso de trás da calça e segurei o bilhete de papel com as duas mãos até chegar perto do meu primo. Quando me viu sorrindo ele achou que eu estava feliz demais por pouco, falou para eu guardar aquele papel logo, pois já estava na hora do almoço e minha tia provavelmente estaria preocupada.

Na noite do espetáculo coloquei minha melhor camisa, passei um pano molhado por cima do sapato, borrifei no pescoço o perfume do meu tio, peguei a bicicleta do meu primo emprestada, dei um beijo em minha tia e sai. Era um final de tarde de céu alaranjado e o vento fazia dançar as folhas caídas na calçada.

Prendi a bicicleta em uma pequena grade ao lado do picadeiro. Dei uns passos contornando a grade e cheguei à entrada do Gigantis Circus. Percebi que a luz do corredor era fraca, forcei a visão para encontrar um lugar vago na segunda fileira de frente para a arena. Ao meu lado estava uma mulher gorda de gestos bem simpáticos.

Acredito que foi no momento em que me sentei na poltrona que o encantamento se concretizou. O cheiro de pipoca, os chocolates, as balas de goma, o ruído efervescente das pessoas conversando enquanto aguardavam... Os ritmos cadenciados que se espalhavam pelo ambiente, o som de percussão, sopros e tamborins, as luzes coloridas a passear pelas faces entusiastas de crianças a adultos....

“Respeitável público!”, a fala se fez presente antes mesmo do mestre de cerimônias, que adentrou o picadeiro com seu paletó xadrez impecável, exibindo no alto da cabeça a mais bela e aveludada cartola que já pude ver. Sua voz transformou, como num passe de mágica, o estardalhaço em silencio de admiração. Estava aberta a porta para um outro mundo, um mundo fantástico.

Adentraram os malabaristas com trajes amarelo e branco, lançando pinos ao alto. Parecia que possuíam mais de duas mãos, pois os pinos se multiplicavam a olhos nus, e no ar mudavam de cor, a luzes os deixavam fluorescentes, como estrelas em céu de verão. Depois do mundaréu de aplausos chegaram ao centro da arena os acrobatas: homens, mulheres e até crianças que se contorciam, corriam, giravam, saltavam, sobre cordas, bolas e redes. Faziam números que nem o mais astuto dos felinos poderia imitar.  Incrível.

O mágico chegou silencioso, não trazia cartola, nem mesmo coelho. Era um homem alto, narigudo, acompanhado de duas lindas moças. Não falava uma palavra, apenas acenava com as mãos, que estavam vestidas de uma luva branca. Fez o que ninguém acreditava, foi cortado ao meio, sumiu do chão e apareceu no alto da lâmpada de um dos corredores. Ele fez tudo tão bem feito, que deixou a platéia assustada. Só recebeu palmas quando o mestre tomou o espaço insistindo com gestos de mãos exagerados.

Os palhaços me fizeram rir, chorar, chorar de rir. Não contaram piadas, fizeram apenas mímicas. Era tudo exagerado: as cores das roupas, o tamanho delas, a pintura em seus rostos, o nariz avermelhado, os sapatos como os de marrecos... Lembrei de quando eu era pequeno, no natal meu tio se vestia de Papai Noel com a ajuda de minha tia, que insistia em não usar as cores branco e vermelho, que por fim o deixava mais parecido com um palhaço.

Depois que ninguém mais agüentava de dores na barriga de tanto gargalhar, a luz foi tomando um tom azulado, passou-se a ouvir um som de cachoeira. O silêncio novamente tomou conta dos corações. Do alto do picadeiro, surgiu envolta numa fita cor de anil, a bailarina. Ah! A bailarina. Como era bela aquela moça! Deslizava pelo cetim como se fosse uma sereia, com movimentos delicados dançava no ar encantando os olhos e os sentimentos. Pouco a pouco, novas fitas surgiam do céu do picadeiro para fazer-lhe companhia, ela como que numa valsa passeava entre elas sem tocar o chão. Já o chão era uma imensidão de azul que inundava os olhos... A música prosseguiu...

Voltei para casa como se fosse o meu primeiro dia na face da Terra. Disse para mim mesmo que não perderia um só espetáculo do circo na cidade. .

Mas este ano, já estamos no final de novembro e nem sinal de sua chegada. São muitos os boatos na cidade. Uns dizem que o circo se tornou grande demais para essa lugarzinho de fim de mundo, outros dizem que o mestre de cerimônias, que era o dono do circo acabou com tudo e comprou uma fazenda. Há ainda os que dizem que eles não passaram pela cidade porque este foi ano bissexto, ano em que todos os circos do mundo tiram férias... O que é verdade eu não sei, mas ainda aguardo ansioso a vinda do circo. E da bailarina.

Um comentário:

Poti disse...

Oi.
Valeu por comentar no meu blog.
Gostei desse texto sobre circo!