17 novembro, 2008

Processo Seletivo

Na verdade não me vinha nada à mente, o lápis passeava pela folha de papel branco, da mesma cor que meus pensamentos naquela hora.

O tempo avançava e meus conhecimentos de mundo não reagiam à pressão da ocasião. Aquela sala parecia menor e mais abafada a cada minuto, as lâmpadas fluorescentes acima da minha cabeça esquentavam meu couro cabeludo, que cozinhava meus miolos, que mesmo assim continuavam inertes.

Nunca uma simples redação havia tirado o chão dos meus pés como aquela, talvez porque a tarefa de escrever sobre qualquer tema livremente fosse muito mais complexo do que eu pensava, ou talvez porque estava diante da conquista do meu tão esperado primeiro emprego, ou ainda porque eu fosse mesmo um fraco. Comecei a rascunhar a primeira linha que após quatro palavras parecia vazia de sentido, risquei com força fazendo a tinta borrar a folha. Resolvi pedir uma nova para o orientador do processo seletivo, que me atendeu prontamente sem expressão no rosto, colocando uma folha nova em cima da minha mesa.

Como precisava daquele emprego... Mas o que estava acontecendo comigo? Eu, que tinha tantos livros na estante do quarto, uma coleção enorme de quadrinhos, todos devorados em pouquíssimo tempo... Não conseguia nem ao menos reproduzir no papel a historieta da Chapeuzinho Vermelho.

Os candidatos foram se retirando da sala, pouco a pouco iam deixando em suas mesas redações brilhantemente criativas, bem elaboradas, tratando de assuntos pertinentes de forma clara e sucinta, que agradariam a qualquer analista de Recursos Humanos, eu tinha certeza. A minha aflição se tornou mais intensa, minhas mãos estavam besuntadas de suor e eu já não enxergava mais as margens verticais da folha.

Olhei para o alto da parede e já não havia mais o que fazer. O relógio oval preso perto do teto apontava o final do tempo estipulado, foi quando notei o orientador se levantar de sua cadeira almofadada à frente da sala. Ele se aproximou rapidamente da primeira fileira e pronunciou em voz firme: “O tempo acabou.” Nesse instante, contrariando todas as minhas sensações, meu sangue esfriou nas veias. Percebi que uma música de James Brown passou a ecoar pela sala em um volume crescente, aquilo foi me assustando ainda mais.

Abri o olho direito, reconheci meu travesseiro. Vi que o aparelho de som estava ligado: “Bom dia querido ouvinte! Começa agora mais um Programa Especial da Manhã, para alegrar o começo do seu dia...”. 

Esfreguei meu olho com as costas das mãos e vi que eram sete da manhã. O meu sofrimento ainda estava por vir.

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