17 novembro, 2008

Rumo à São Paulo

Minha vida não parecia muito interessante. Ficava o dia inteiro entre jornais e revistas, trocando notas por moedas, fazendo das balas de iogurte o troco do senhor Juarez, num ritmo morno que transcorria todos os dias da semana. Quando saía da escola, ainda pela manhã, passava em casa apenas para fazer um lanche, que na maioria das vezes se resumia em um “pão com tudo dentro”, terminava a garrafa de guaraná no caminho e quase sempre levava uma bronca do meu tio por deixar o suor gelado da garrafa molhar a jornal do dia.

Banca do Seu Nestor. Era assim que todos conheciam a pequena revistaria do meu avô, embora estivesse escrito no alto em letras gigantes o nome Banca Alto-Mar. Os conhecidos dele nunca se acostumaram com esse nome dado à banca há mais de quarenta anos, embora o título tivesse tudo a ver com o local onde morávamos e o clima que desfrutávamos naquela desinteressante cidade.

Morar no litoral sempre foi muito complicado para mim. Às vezes me sentia mal por pensar dessa forma, quando via a intensa felicidade dos turistas visitando a praia, a euforia com que corriam para o mar, a maneira despreocupada que os rapazes como eu pegavam ondas e paqueravam as meninas.

Sei lá, parecia que eu havia nascido no lugar errado. Eu queria agitação, semáforos, prédios, Mc Donald’s e tudo aquilo que via nos comerciais de TV ou conhecia através da internet. Mas tudo que eu tinha era uma rotina sem graça dentro daquela velha banca de revistas, sempre fervendo a trinta e cinco graus sob o sol. Meus pais estavam sempre ocupados em cuidar da pousada que tinham perto da praia. Por isso não moravam comigo e meu avô. A escola onde eu estudava ficava bem longe da pousada, quase na divisa com a cidade vizinha. Um dia ao voltar da aula resolvi tentar mudar o rumo da minha vidinha sem graça. Tirei o material da mochila, botei umas peças de roupa, meus quadrinhos, umas economias que tinha no fundo do armário, e o guia da cidade de SÃO PAULO.

Não sei onde estava com a cabeça naquela tarde. Passei pela banca com a mochila nas costas rumo á rodoviária da cidade. Inventei uma desculpa qualquer para o meu tio, que nem me percebeu direito, tanto era o seu entusiasmo com o que lia sobre a vitória do time local. Eu me lembro bem. Era uma terça-feira, pois a escola de natação estava inaugurando uma nova turma as terças e sextas bem naquele dia, a frente da escola estava cheia de meninas trajando maiôs e toucas de nadar. A estação ficava a umas quatro quadras dali. Acelerei o passo sem ter plano algum para onde iria. Mas não importava a falta de idéias, eu queria mudar! Não agüentava mais aquele sol escaldante 365 dias por ano, aqueles peixes todos: fritos, assados, grelhados, ensopados e até crus... Faltava só mais uma quadra quando fiquei sem fôlego. O calor começou a me incomodar, passei a andar devagar e a respirar fundo. Percebi minha visão embaçada. Parei. Abaixei a cabeça entre os joelhos e me senti um pouco melhor. Mas em poucos segundos escureceu. Cai ali mesmo, naquela calçada tosca.

Acordei com uma luz branca na direção dos meus olhos, quando abri as pálpebras vi um vaso com girassóis abertos, não consegui reconhecer o lugar. “Graças a Deus!” – era a voz da minha mãe, no meu lado esquerdo. Olhei para o lado assustado, ela deu um beijo na ponta do meu nariz e me fez prometer que eu nunca mais faria aquilo de novo.

O médico disse a ela que meus hábitos alimentares eram incoerentes com aquilo que minha faixa etária exigia, e que temperatura alta havia abaixado a minha pressão. Não entendi muito bem o que isso queria dizer, mas segundo ele, eu estava bem, ficaria de repouso até o final da tarde. Consultei o relógio, os ponteiros marcavam cinco da tarde. Percebi que a minha agitada vida em São Paulo teria de ser adiada por algum tempo, mas não muito tempo. Olhei para a minha mãe e sorri.

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