03 dezembro, 2008

Preguiça, esta senhorita




Às vezes ela vem. Vem silenciosa ao final da tarde, exalando aroma envolvente e abafado de pôr-do-sol. Ela vem e cochicha em teu ouvido que o melhor é não arriscar, que a melhor decisão é que permaneças onde estas.

Às vezes ela vem no inicio da manha, imita o cantar doce dos pássaros que pousam na janela e te seduz numa tranqüilidade fora de hora, e escreve um bilhete em teu pensamento com letras arredondadas um recado feito conselho: “A responsabilidade é para os tolos.”

Ela vem quase sempre nos finais de semana, fazendo música ao sabor dos teus ouvidos. Dotada de perspicácia, ela traz nas ondas sonoras o timbre cortante de guitarra, apagando com delicadeza os planos que tu elaboravas na memória. Ela vem na melodia da voz soprano e num passe de mágica que não sentes, leva-te ao prazer da acomodação.

Ela vem e confessa a ti que apenas quer teu bem. Você não atenta que a verdade já fugiu dos olhos dela há muito tempo. Quando cais em si, pergunta: “Onde está a verdade que fazia morada nestes teus límpidos olhos?”. Ela, sagaz engana-te mais uma vez lançando uma interrogação que faz nó em tua razão: “O que é a verdade?” Assim torna-te novamente crédulo.

Quando pões a confiança aos cuidados dela, passas a assumir um caso de devoção sem remédio. É a partir daí que teus passeios com ela passam a durar períodos de tempo cada vez maiores. O tempo para ela não importa e de repente, sem que percebas teu tempo é só dela. Ela vem ao anoitecer, faz-lhe afagos na nuca da lógica e em pouco tempo adormece tua consciência.

Quando assumes compromissos, ela vem tratar contigo, traz-lhe presentes, passeios, televisão, faz festa ao teu redor e ata teus braços com fitas coloridas. Assim, tu preferes adiar tudo o que te chateia e ficas só em companhia dela.

Ela vem sempre quando traças projetos. As obrigações, para ela, são tarefas mesquinhas e com um belo discurso olhando em teus olhos, convence-te desta idéia. Ela faz teatro. Uma bela peça, e tu estas ali no palco, cansado, num mundo desleal em que qualquer esforço maior não faz diferença. Ela conquista-te com este texto. É nesta hora que tu adormeces, ela fecha as janelas, apaga a luz e trama com as horas do relógio, que após um acordo passam a correr aceleradamente livres.

É o que ela quer. O maior desejo da senhorita é fazer-te adormecer em sono profundo. E tu, quando dormes, fazes isto em todo canto. Em casa, em frente ao livro, no trabalho, em frente às planilhas, na declaração de amor via buquê de flores.

Quando te deixas levar pela senhorita em seu sono encantado, perdes a identidade, perdes o desejo, ficas morno, não frio porque ainda vives, mas morno porque passas a ser comum, moribundo.

Queres ser feliz? Não te apegues à senhorita.

2 comentários:

Kamila disse...

Maravilhoso o texto, Amauri! Amei lê-lo!

Unknown disse...

mano muito legal, quando será olançamento do livro?