13 janeiro, 2009

Velhos Celebrantes

Entrei no trem, como de costume, um pouco atrasado. Fone no ouvido, pensamentos contidos e olhar perdido no ar. Recostei-me na barra de ferro à direita e mais pelo calor que pela visão percebi que o vagão estava cheio. O rock soava alto e com o dedo indicador imitava baquetas na perna. Um ruído agudo, a porta do trem se fechou.

Meus olhos que passeavam pelo chão opaco do vagão se depararam com um par de sandálias de dedo gastas pelo tempo, com tiras de couro bem finas, acomodando pés também visivelmente gastos pelo tempo. Os pés se mexiam freneticamente como que ardessem suas solas. Subi o olhar curioso pelo fato atípico naquele trem.

Era uma mulher franzina, o rosto com traços marcados, aparentava avançada idade, na boca uma arcada dentária de aspecto artificial, uma pele enrugada, adornada por coloridas bijuterias. Os cabelos eram brancos e ralos, cobriam com palidez todo o couro cabeludo, terminando em um minguado rabo de cavalo. Uma de suas mãos salpicadas de pintas amarronzadas segurava o apoio de ferro e a outra, na altura do pescoço, gesticulava efusivamente.

Reparei em seus lábios, cobertos por uma cor rosa, eles se entreabriam com ritmo e de forma acelerada. Tirei o fone para ouvir suas palavras e notei que ela se dirigia a um grupo de três amigos tão vividos e gastos pelo tempo quanto ela. Poemas rimados, belas cantigas, letras de sambas antigos, epopéias em cordel dividiam espaço com sonoras gargalhadas e o que pensei ser um monólogo na verdade era um diálogo.

Aquela cena me fascinou . Tudo aquilo se assemelhava a uma celebração. Mas do que? Ou para quem? Uma celebração à vida,  precária e sofrida visto as condições de seus celebrantes? Uma celebração à velhice, um orgulho absurdo num mundo que prega diariamente a perpetuação da juventude sob qualquer preço? Uma celebração à amizade diante da fragmentação agressiva das relações nestes anos dois mil? Aqueles declarações festivas, aqueles risos descompromissados, aqueles sambas cadenciados em vozes roucas e semblantes gastos pelo tempo, que chamavam atenção ora alegrando uns, ora irritando outros, celebravam o que?

Fiquei incomodado. Era para estarem lamentando, mas não, ou não. Um ruído agudo, a porta do trem se abriu.

Um comentário:

Luisa disse...

gostei bastante;
que bonito.
não sei se eu ficaria incomodada com a cena;
anyway,
quero envelhecer assim.
cantando sambas
rs

beijo