04 janeiro, 2009

Quintal e o Menino

Largou as bolinhas de gude no chão quando ouviu o rangido do portão se abrindo. Correu pelo quintal gramado até chegar aos pés da mãe, que com suor deslizando pela face carregava sacolas abarrotadas. Pegou uma das sacolas, disfarçando a careta de peso com um sorriso forçado. A mãe soltou o restante das sacolas para poder dar descanso aos dedos. Precipitado, correu com a sacola em direção a porta de casa sem ver as bolinhas de vidro espalhadas pelo chão. O tombo foi grande. As batatas e berinjelas espalharam-se por toda parte. Sentou com cara de choro, olhou para o joelho que começava a se avermelhar com sangue aguado. A mãe quis ficar brava, mas não conseguiu, deixou-o por um instante sentado decidindo se chorava ou não, recolheu os legumes empoeirados e levou as sacolas até a mesa.

Logo esqueceu o arranhão, voltou a riscar com telha o chão de barro. Era ali que inventava seus mundos, enterrava seus botões, papéis e pedras coloridas em caixas amarradas com barbante. Comia goiaba verde do pé. Fazia a dança da chuva enquanto ela caia. Dava voltas pelo corredor que cercava a casa, contava o tempo, batia recordes, ganhava premio no pódio. Ajudava as tanajuras no carregamento das sementes até os buracos das minúsculas famílias. Gritava “terra à vista!” ou “preso em nome da lei!”, dependendo da ocasião, numa companhia solitária de seu amigo imaginário. Era com ele que tinha conversas sérias, era para ele que mostrava os mapas e rotas das aventuras vindouras. Com ele desabafava, reclamava das lições de casa e da obrigação das verduras no prato. Era a ele que dava bom dia, vamos logo, boa tarde, não enche o saco e boa noite!

Girava o carrinho de madeira em frente à janela da sala quando sentiu passar pelas suas narinas um aroma que reconhecia como ninguém. Aquilo era purê cozinhando na panela e logo que percebeu seu estomago deu um sinal.

Correu para a porta tirando a sandálias dos pés para não sujar o chão encerado. Enxugou o suor do rosto com o braço, deu um sorriso para a mãe e correu em direção ao banheiro. Aprendeu que a hora do almoço era também hora do banho, uma sequência que decorara com muita bronca. Funcionava como regra: banho, almoço, troca de roupa e escola. Antigamente realizava a sequência de outra maneira: almoço, banho e escola, mas começou a passar mal de indigestão durante o banho. Quando começou a lambuzar as roupas com a nova sequência, sua mãe teve de separar o banho da troca de roupa.

Quando a mãe percebeu a empolgação dele decidiu esperar para ver o milagre. Cinco minutos depois ele já estava sentado sob a mesa, cabelos penteados para o lado, guardanapo no pescoço, mochila no braço da cadeira e os olhos saltados sobre a panela. A mãe fez o seu prato, sorriu vagarosamente um sorriso de satisfação e incredulidade. Esse menino estava mesmo no mundo da lua, mal sabia ele que não era dia de escola. No sábado o banho podia ficar pra mais tarde.

Um comentário:

Eu disse...

hahahaha
adorei o final da historia
nem preciso falar q vc eh mto nisso ;)

e essa historia me deu uma saudade da infancia!