17 fevereiro, 2009

A praia, o Pequeno e a Revista

Férias de janeiro. O dia estava na metade e a praia cheia. Ela vestia um maiô estampado, com cores vivas, da última coleção da mais famosa marca de biquínis do Brasil. Armou a cadeira de madeira, o guarda-sol também estampado e sentou-se com uma revista na mão. Viu passar o senhorzinho da água de coco, o moço das cangas e chapéus e o rapazinho dos picolés de “frutas mais que refrescantes minha gente!”. Uma, duas ou três folheadas na revista e sentiu-se enfadada. Recostou-se no apoio de tecido áspero da cadeira e passou a mirar a água da praia, aquela estranha linha que separa o céu infinito do azul esverdeado do mar.

Um menino brincava em sua direção a uns trinta ou quarenta metros de distância. Seus olhos sorriram para ele. Era magrinho, com pés que destoavam do corpo. Ele corria num vai e vem por um trecho da praia, carregando um pequeno balde e uma colher de plástico, salpicando água nos casais de namorados que transitavam de mãos dadas. Por alguns minutos ela ficou atenta aos movimentos do garotinho: o encher aquele balde com areia branca lamacenta e o esvaziar com as mãos fechadas e agitadas. O sol ardia na pele e ela decidiu então pegar seus óculos escuros e o protetor solar. Algumas crianças maiores brincavam ali por perto, mas o menino não fugia do foco da sua atenção.

Em certa hora, ele correu para a areia graúda e seca longe das pequenas ondas, derramou a lama sob os pés e começou a modelar alguma coisa, que de início ela não entendeu o que era. Ele sorria um sorriso empolgado e inocente enquanto corria para pegar mais areia aguada. Trazia aos pulos para a parte fofa e seca da praia e prosseguia com suas instalações. Falava sozinho, parecia cantar de vez em quando. Apontava os pequenos montes de areia molhada para os que passavam pela sua frente. Convidava com gestos empolgados outras crianças para ver seu “grande castelo”. Quando ela conseguiu ler os lábio e entender o que o menino dizia, sorriu junto com ele. Mas nenhum dos que passavam lhe dava bola. O menino não se importou com a falta de atenção dispensada a ele e começou a cavar um fosso ao redor do castelo...

Parou de observar o menino e passou a olhar o seu redor. Tentou identificar quem eram os seus responsáveis ali naquela pequena extensão da areia. Do lado esquerdo, umas oito pessoas de uma família de obesos risonhos, com narizes e bochechas vermelhas meladas de protetor e sardas por todo corpo. Do lado direito, uma dúzia de adolescentes gritalhões que jogavam uma partida de frescobol. E o restante dos que passeavam, não pareciam se preocupar com filhos, nem ao menos tinha aparência de pais ou mães.

“Será que ele está sozinho?”. Assim que formulou essa questão viu o semblante do menino mudar de tom tristemente, o que era amarelo vivo e leitoso passou a ser um cinza, opaco e sujo. Pareceu até transmissão de pensamento. Em poucos segundos ela percebeu as pequenas sobrancelhas do menino juntarem-se, trazendo mais peso a sua pequena face. O horror apoderou-se dele, seus olhos percorriam agitados ao redor e os braços tornaram-se rijos, lançando longe colher e balde. Ela percebeu que o menino repetia algumas palavras seguidamente, com um esforço que fazia as finas veias de seu pescoço saltarem. Não compreendia o que ele dizia, mas percebia nitidamente as lágrimas que brilhavam sob o sol, escorrendo em seu rosto. O menino passou a girar sobre o seu próprio eixo, olhava para o céu, as lágrimas escorrendo soltas por seu pescoço. Agora gritava mãe e pai em voz alta, estridente, agoniada. Ela começou a ficar em estado de choque com aquela cena. Todos ao redor da criança e ninguém a percebendo. Mas como podia aquilo? Pensou em levantar, correr e pega-lo no colo. Mas não era seu filho. Pensou em alertar a família de roliços que estava mais a frente na areia, mas eles ouviam animadamente um aparelho de som portátil que altas batidas do que parecia funk carioca, sem notar ninguém ao redor.
Ela começou a ficar nervosa. Tremia. O menino já chorava sem forças na areia que voava sob o vento. Ele colocava as pequenas mãos sobre a cabeça e parecia suplicar.
“Alguém vai chegar....” – ela pensava. “Não, não preciso levantar, os pais desse menino devem estar por perto, já e já eles o verão...” – tentava se convencer de que estava tomando a melhor atitude. Decidiu pegar novamente a revista que estava sobre o seu colo e ignorar o nervosismo e começou a ler no topo da página: “Moda verão, página 09. Dicas de saúde, página 12. Perfil, página 15...”. Não conseguiu continuar, levantou e queria ajudar o menino, mas depois de quatro passos apressados viu que ele já não estava na areia. Procurou-o ao redor com os olhos e ouviu seus soluços sobre os braços de um guarda-vidas que seguia para a extremidade direita da praia. O menino ainda chorava, com a cabeça encostada, as lágrimas molhando a regata vermelha do moço. Ela respirou fundo, sentiu-se aliviada. Sentiu-se envergonhada. Voltou à cadeira, pôs os óculos no rosto. “Decoração, página 18. Entrevista, página 21.”.

7 comentários:

b disse...

Mais um daqueles textos que nos levam ao lugar onde se passa... Juro que fiquei imaginando toda a cena, como um curta-metragem... capacidade fantástica de nos tirar da realidade vc tem...

parabens...Ah... usei seu texto no meu blog... ja to pensando em roubar esse também.. da uma olhada por lá.. vai achar algo familiar...

b disse...

Uhuuu.. mai um roubado.......to gostando dissow....

Poti disse...

Oi! Belo texto!
Ah, em ralação ao comentário no meu blog, você tem razão... infelizmente, nós ainda preferimos os idiotas.

Juliana Nascimento disse...

Nossa, lendo o texto, eu fiquei com vontade de ir ajudar o menino! Lindo parabéns. Acho até que merece uma continuação sobre o menino ou sobre a moça....
Ah, já ia me esqueçendo!Coloquei um link no meu blog para o seu. Seus textos merecem ser compartilhados.
Bjão, bom carnaval!

Anônimo disse...

Assim como o Thiago, este foi um texto que me levou diretamente ao ambiente em que ele se passa. Como sempre, mais um relato muito bem construído!

Tânia (Marienkäfer Laden) disse...

Parece um delírio essa realidade, rs. Bjos!

Unknown disse...

Gostei muito do que escreve, tem um potencial enorme, são meninos permita-me assim chama-lo como você que fazem o futuro da escrita neste pais, muito bom mesmo, parabéns sempre estarei dando uma passadinho no teu blog, para aprender com você, , sucesso fique com Deus.