06 fevereiro, 2011

De uma tarde de sol

Foto por Thiago Beleza

Ela sabia que ele a esperava. Sabia onde, aos domingos. Sempre o via, já o conhecia. Permanecia por entre os muitos ali, ao todo mais de seis bilhões, nas tardes de sol com sombras de árvores e poucas flores. Ele já não sabia o que fazer para encontrá-la. Pensou chamá-la em voz alta. Mas não sabia seu nome. Pensou em gritar um "vem" no meio de todos, com força igual a do oxigênio que enchia seus pulmões, ali. Será que ela sairia de onde estava e atenderia finalmente o seu pedido? Esqueceu a ideia enquanto andava por entre o caminho aberto ao redor do lago. Mais uma tarde de Sol. Via claramente um sopro de bonança sobre os corações antes inflamados de paixão. Aos pares, todos os presentes eram calmos, em afagos e olhos risonhos. Procurou-a entre a multidão, mas não a viu. Não sabia como era sua fisionomia. Sentou-se em uma clareira, esperando que ela desse algum sinal, que fizesse um psiu por entre a brisa, que mostrasse alguma preocupação com a ansiedade dele. Som de violões. Muitas cordas dedilhadas ao sabor da tarde, o calor animando as peles, as folhas verdes balançando despreocupadas nos topos. O sol brilhando para ele e sorrindo para ela do outro lado. Distante? Ele não sabia, só sabia que sorria. Decidiu então escrever um bilhete, ou melhor, vários bilhetes que deixaria aos pés das árvores. Seriam muitos, muitos bilhetes com os mesmos dizeres: "É você?" Uma interrogação caprichada no final. Assim ela perceberia que ele insistia de verdade em sua procura e responderia um deles. Antes ela daria um sorriso lisonjeada, pensou, daí pegaria um lápis qualquer e rabiscaria: "Sou eu, aqui perto de você." Depois de muito escrever e esperar, ele voltou recolhendo os bilhetes, um por um, debaixo de cada árvore. Recolheu, dobrou todos e os colocou no bolso. Voltou para a clareira, sentou, o coração em pé. Antes de escurecer ela apareceu com um dos bilhetes na mão. Ele levantou sorrindo, já ofegante. Ele notou que o papel estava amassado. Olhou nos olhos dela, mas não encontrou nenhum sorriso. Um violino começou a tocar. Era um violino? Distante, solitário, uma nota longa constante, cortante. Ela se aproximou e estendeu a mão pequena, o bilhete entre os dedos indicador e médio. Os olhos dele brilhando, ânsia de felicidade. "É você?" Silêncio. "Achei jogado perto do lago, vi que você recolheu todos. Toma." Os muitos bilhetes escureceram como o dia no seu bolso. Não foi naquele final de tarde que ela se revelou dentre os mais de seis bilhões presentes.

5 comentários:

Larissa Garcia disse...

De todos os seus blogs, este é o meu favorito!
Este texto tem uma pitada de Italo Calvino.
Beijos, ex-amigo!

kel disse...

A leveza do conto agradou esta que vos comenta rs

xx

Ana C. disse...

Ainda não conheço os outros blogs, mas gosto muito desse.
Belo texto!

beijo

Are disse...

Amauri, muito lindo seu Texto! :)

Mil Beijos ;*

Gisele disse...

Arrebatador. Simples assim!


Beijos