12 abril, 2009

Tempos urbanos

Foto por Thiago Beleza

Tempos modernos. Vida urbana. A individualidade tão exaltada na era vinte e um, agredida nos compartimentos metálicos, carcaças de ferro sobre trilhos ou rodas. No trem. Do fundo do trem surgiu um som insistente, repetia-se um refrão de baixo calão, chulo, de desonra. Senhoras sentadas cochichavam, incomodadas, inquietas, afetadas.

Incômodo. Como cisco fino em olho recém aberto na manhã, como farpa pontiaguda de dor onipresente na carne de um dedão. Incômodo. Como enxaqueca seca em feriado de sol. Como cólica latente em ventre sensível. Sentia-se um incômodo mútuo. União de pensamentos em favor da oxidação de baterias, pilhas ou qualquer força química que dava vida ao objeto eletrônico portátil e insuportável.

No pensamento, eu me dirigia até o último banco do vagão, arrancava da mão do indivíduo seu aparelho mimado, apertava com força o botão liga / desliga e o lançava pela janela ao outro lado dos trilhos. Ou melhor, com um sorriso ironicamente amarelo, pedia por gentileza, que o nobre cavalheiro de boné e tatuagem, diminuísse o volume de seu estimado tocador de música, ou por obséquio, descesse na parada mais próxima e comprasse um par de fones, ouvidores intra-auriculares, num bazar de esquina. Mas isso não passou de pensamento.

Conformado em minha covardia, o corpo mirrado em comparação a estrutura óssea e brutal excesso de massa muscular do ser humano responsável pela desordem sonora do ambiente de ar condicionado, esperei chegar a minha estação. Com cautela, assim que a porta se abriu, saí. Do lado de fora, caminhei. O dedo médio entre as páginas do livro, o ser no vagão tido como desgosto de um passado recente e minha individualidade plenamente restituída.

4 comentários:

b disse...

Acho que dispensa comentários.....mesmo assim (teimoso que sou)...

Individualidade é uma doença... sou assim...e onde se torna mais evidente é dentro dos coletivos, local onde justamente deveríamos deixar esta caracteristica capitalista de lado....

Texto fantástico, curto, mas sufocante...

PS: gostei da foto...

Juliana Nascimento disse...

Ah Amauri só vc mesmo para traduzir com graça o que pra mim é uma verdadeira desgraça.Esse tal do som alto dentro do ônibus me irrita tanto quanto os casais de namorados que são um grude e constrangem a todos, às vezes eu fico me imaginando , chegando perto desses casais e estapiando a cara de um por um, ou pisando no celular até arrancar tecla por tecla, sabe?! rsrsrs.

Luisa disse...

Nossa, já passei muito por isso;
gosto da tua sensibilidade pra essas coisas; --
adorei o texto, mesmo.

Beijo

juliana disse...

Menino, cade vc? Fica sumido asssim não! Eu tbm ainde meio sumida, mas já voltei! Saudades das suas visitas! Espero que esteja tudo bem! Bjos