11 março, 2009

Ventilador Empoeirado

Foto por Thiago Beleza

Às vezes somos como ventilador empoeirado. É, um ventilador empoeirado. Nesses dias de intenso calor parei por alguns instantes, na ânsia de encontrar significado para algumas de minhas preocupações e observei o velho ventilador de casa. Robusto, potente e antigo, nos tempos de calor ele fica estrategicamente localizado no canto da sala. Quando já não suportamos o ambiente, suas hélices giram na maior velocidade possível, produzindo um quase irritante zumbido agudo. O movimento de cento e oitenta graus é manso e incessante. Essa frequência, claramente altera a temperatura do ambiente; o ar parado, sufocante e caótico passa a se movimentar numa dança veloz pelos quatro cantos, fazendo a respiração fluir com facilidade e o suor secar no corpo. Mas, mesmo afastando a monotonia do tempo, mesmo lançando as células mortes acumuladas nas superfícies pelos ares, o velho e decente ventilador fica empoeirado. Dia após dia debaixo ou dentro dos exagerados graus do verão, no canto da sala, no alto de sua eficiência como ventilador, ele faz sempre os mesmos movimentos e permanece em si, empoeirado. Não pára, não acelera, não cai, não ventila a si próprio, não queima... Permanece ali, em cento em oitenta graus durante todo o dia.

Discutimos sobre sonhos, pensamos sobre sonhos, sonhamos sobre sonhos e corremos atrás deles. Queremos movimentar esse ar sufocante da nossa realidade e alcançar ares de alivio, então falamos, discutimos, planejamos, nos preparamos... Mas uma hora nos damos conta de que estamos estrategicamente parados no canto da sala; abençoando o cotidiano alheio com nossa competência, eficiência e omissão. Nossos ombros são as melhores escoras para o sofrimento de terceiros. Exercemos toda a nossa potência em dias de conflito, mas nossas quatro hélices permanecem encardidas, nossa base está acinzentada, tal a grossa camada de pó... Parece que estamos na contramão. Mudamos outras realidades, não a nossa. Toda decisão de mudança parece uma opção de derrota. Preferimos ser velhos e confortáveis em nossa tarefa de viver. E esses mesmos sonhos pelos quais nossos coraçoes e mente palpitam, demoram a se realizar. Parece que estamos seguindo na vida sem efeito. E não há quem nos desligue, ou nos dê um curto-circuito, ou mesmo se posicione do outro lado da sala para que possamos respirar ares de mudança.

7 comentários:

Anônimo disse...

Amauri, acho que este foi o meu texto favorito até agora seu. Com certeza, às vezes, me sinto como um ventilador empoeirado. :-)

Ana disse...

Nossa, que texto lindo, profundo, tocante. Adorei! Parabéns! vou linkar seu blog. um abraço, Ana

Luisa disse...

vc se dá muito bem com os contos; muito bom;
mas achei pessimista.
tenho outro olhar sobre isso.
podemos criar outras metáforas para a vida usando o objeto ventilador :-)
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siga com afeto.

beijo

Juliana Nascimento disse...

Nossa Amauri, falei sobrei isso ontem com um amigo. Eu tô chegando a conclusão de que somos assim a vida toda, não passa com tempo. E talvez seja isso que nos impulsione a seguir em frente na vida.Tô meio sumida por que to sem pc, mas continuo postando, não deixei de me visitar.
Bjão!

Anônimo disse...

Meu Caro a verdade é que a nossa poeira acumulada nos torna mais pesado e lentos, mesmo eu que já não sou tão novo, porém não tão velho também sinto isso o que você falou. Acho que temos que dar uma sapecada na poeira e tirar um pouco do peso das costas, afinal essa é a vida que temos e que vivemos e acumular essa poeira não é a melhor solução.
Vamos seguindo nosso rumo girando e refrescando, à nós mesmos e aos outros.
ABRAXAS!

b disse...

rá......fantástico... to adorando essa história de parceria....

Mariana Bernun disse...

Olá Amauri!

Li uma parte do seu texto no blog do Thiago. E não pudi deixar de entrar no link (vogal & consoantes)e terminar de ler.

Você escreve de forma fantástica!
Adorei de verdade.
Muito Bom!

Mariana Bernun