09 outubro, 2008

All Star Preto

Ouviu o soar da sineta. Enquanto todos corriam em direção ao pátio, ele ficou parado em frente à sala dos professores, atarefado consigo mesmo.

Agachado, a franja escura balançando sobre a testa, ele apoiava o joelho direito no peito para facilitar a execução da tarefa. Os dedos tremiam por entre as pontas do cordão. Tentava nervoso relembrar as regras e etapas aprendidas há poucas semanas. Ela passou ao seu lado, abrindo sua lancheira, no intuito de pegar a maçã verde, sem querer notou que ele estava agachado, como era curiosa, parou ao seu lado.

- Precisa de ajuda?

- Não, eu sei fazer sozinho.

- Não sabe nada, você está aí faz um tempão.      

-É que estou me concentrando, só isso. Você não estava indo comer sua maçã?

- Acho que posso comer aqui... Quero ver se você sabe mesmo...

- Deixa de ser chata, eu sei sim, quer ver? Ó...

Recomeçou as etapas, os dedos entrecruzaram-se sem chegar a um final positivo. Começou a suar frio, afastou a franja da frente dos olhos e olhou para ela meio sem jeito. Como quem ouvisse um pedido, ela guardou novamente a maçã na lancheira, agachou e puxou o pé dele, que desequilibrando-se quase caiu sentado. Ela não ligou.

- É assim que se faz, olha...

Em três breves movimentos ela deixou o all star preto dele novamente justo. Mas ele não queria dar o braço a torcer.

- Mas era assim mesmo que estava fazendo...

Ela sorriu, ele enrubesceu. Os dois sabiam que, para ele, o simples cadarço ainda era um enorme desafio.

01 outubro, 2008

Exacerbada Posse

Era violenta a dor que sentia na cabeça. Quando olhei para o lado, a janela estava aberta e a TV ligada, provavelmente eu havia deixado o seu despertador programado. Uma mulher loira estava mexendo um molho branco na panela, em companhia de um fantoche-papagaio que a interrompia de minuto em minuto. Desliguei a TV.

Eu ainda estava de gravata, camisa e sapatos no sofá. Meus lábios estavam doloridos e percebi que meu braço estava com uma marca roxa na altura do cotovelo. Devia ter pegado no sono sem perceber, parecia que eu havia dormido bastante, sentia que minha língua estava inchada mas não me lembrava direito da noite anterior. Tentei me levantar para ver o porquê da dor em meus lábios, mas minha visão escureceu, preferi encostar-me novamente na almofada. Fechei meus olhos.

***

Não estava gostando da forma como o sujeito olhava para ela. Ela estava linda como sempre, mas estava comigo, e ele devia perceber isso. A noite estava agradável, depois do cinema aquela roda de amigos na mesa me desligava da rotina estressante que eu enfrentava durante a semana. Segurei suas mãos, dei um beijo em uma delas, ela ficou surpresa e um tanto encabulada, eu queria mostrar quem estava realmente no controle. Tomei outros três drinques.

Ela desviava dos olhares fixos dele, mas o sujeito era insistente. Eu não sabia de onde ele havia saído, não era nosso amigo, nem ao menos sabia o seu nome, foi de repente que ele apareceu, tomando parte da conversa, me deixando extremamente irritado.

"Vamos sair daqui?!", pedi a ela num rompante já me levantando. Ela puxou meu braço para baixo, franziu a sobrancelha para mim e sorriu para o restante da mesa, tentando passar a impressão de que estava tudo bem. Mas não estava tudo bem, realmente não estava.

Todos davam gargalhadas. Eu já não prestava mais atenção no assunto da mesa, não suportava mais a sorrisinho cínico daquele idiota engravatado. Puxei-a pela cintura e dei-lhe um beijo. Ela ficou assustada e ao mesmo tempo constrangida, olhou para mim com cara de interrogação e perguntou o estava acontecendo. Naquele momento não consegui me segurar, ela já estava caindo nas investidas daquele retardado.

"O que foi? Já não posso te beijar? Acho que você prefere esse idiota não é?". Ela ainda não estava entendendo do que eu estava falando, mas quando ele me pediu para ficar calmo não consegui me controlar. Pulei por cima da mesa alcançando seu rosto com um soco meio frouxo. Ele caiu da cadeira num movimento desajeitado derrubando alguns pratos, talheres e duas taças que estavam sobre a mesa. Levantou-se com as o punho da mão direita escondendio a boca, os olhos já vermelhos e a respiração acelerada de ódio. Pulou ávido mirando em meu rosto. Senti seu punho afundar a carne da minha bochecha esquerda. Começamos então a nos esmurrar em socos mal aplicados, chutes sem direção e gritos de palavrões que remetiam a família ou masculinidade um do outro.  

Comecei a sentir uma dor latente em minha testa, uma sensação de calor cobriu o meu rosto. Já estávamos nos engalfinhando havia algum tempo sob uma roda de colegas de empresa, que riam ainda mais alto, soltando ordens de ataque.  Não conseguia mais me defender, minha disposição já havia sido dissolvida pelo álcool. Procurei pensar nela, onde ela estava, se conseguia me ver brigando por ela, se sentia orgulho de mim, se queria que eu me desse bem. Sentia gosto de sangue na minha boca quando perdi a consciência.

***

Esta e a caixa postal de Adalberto Moreira. No momento não posso atender, deixe seu recado após o sinal que retornarei assim que possível. Piii! "Oi Beto, espero que você esteja bem. Hoje pela manhã me ligaram perguntando de você. O seu amigo Marcelo disse que teve que te levar de táxi para casa na sexta, que você ficou um pouco machucado...  Precisamos conversar. Não hoje, ainda não sei quando.... Estou temerosa por nós dois, já não é a primeira vez que... Estou insegura com tudo isso, não sei aonde esse ciúme vai nos levar. Por favor, se cuida esta semana. Fique bem, um beijo."